Camponeses e o carvalho, Os
Poesias do Momento, Ditadas Pelo Sr. Dombre (de Marmande), Vindo a Bordeaux Para Esta Solenidade
OS CAMPONESES E O CARVALHO
FÁBULA
Ao Sr. Allan Kardec

Os abusos têm campeões ocultos mais perigosos que os adversários declarados, e a prova disto é a dificuldade que se tem de os arrancar.
Allan Kardec (O que é o Espiritismo)

Um dia honestos camponeses
De pé ante um carvalho enorme, fronde imensa,
O mensuravam muitas vezes.
– É em vão, um deles diz, que tal semente intensa
Germine em sulcos tais virados e adubados.
Não cresce nada; adubo e seiva consumados
São pela ramaria, essa espessa folhagem.
Fazer gostos assim é bem triste bobagem.
Esta árvore deixar que torne pobre o chão,
Que nos consuma o suor e esterilize o grão.
Irmãos, se me quiserdes crer
Nós livraremos nosso campo
Da incômoda presença... e isso... num tranco!
À obra! Gritam com prazer.
Estavam todos muito ardentes;
Uma corda é amarrada em cima no carvalho,
Formando uma cadeia em forte galho
Cujos anéis uniam-se potentes.
A folhagem treme e farfalha,
Mas é tudo... Eles vão se agitar, se estafar
A fim da tortuosa e robusta ramalha,
Que enfim não se deixa abalar.
Alguém sensato da região,
Um bom velho lhes diz ao passar: Meus meninos,
A vossa messe é perdida, então,
Dos ramos em proveito e desses grãos franzinos,
Destruí-os... é bom... Posso entender;
Mas a árvore abater coisa fácil não é;
Para dobrar tal carvalhaço
Em força é fraco o vosso braço;
A idade enrija o corpo e não se faz render.
Fazei menos ruidoso o assalto e mais terrível
A esse colosso vigoroso;
Séculos já se vão por seu cascão nodoso;
Empregai dias a miná-lo, isso é possível.
Descobri-lhe a raiz, sugadora, felina
E levareis a morte ao ramalhal confuso.
Não podendo de um golpe extinguir um abuso
Busca em seu fundamento a oportuna ruína.

C. Dombre

O OURIÇO, O COELHO E A PEGA

FÁBULA

Aos membros da Sociedade Espírita de Bordeaux
A caridade, meus amigos, é feita de muitas maneiras: podeis fazer a caridade por pensamentos, palavras e obras...
(O Espírito protetor da Sociedade Espírita de Lyon – Revista Espírita de 10 de outubro de 1861).
Um pobre ouriço ao ser posto fora da toca,
Rolava pelo campo em meio aos espinheiros,
De algum petiz aos golpes mais certeiros,
Que em sangue o abandona e quase que o sufoca.
Ele eriça, tremendo, a armadura espinhenta,
Espicha-se, lançando em volta oculto olhar,
E sem perigo já, lamenta
Numa voz débil, a chorar:
Para onde vou?... Fugir?... Voltar ao velho abrigo
Acima está do meu querer.
Já nem posso prever qual o perigo
Pior que me ameaça... É forçoso morrer?...
Preciso de um refúgio e um pouco de repouso
Para sarar minhas feridas;
Mas, aonde achar quaisquer guaridas?
Quem de meus males é piedoso?
Num coelho que habitava entre lascas de rocha
E para quem a caridade,
Não sendo um termo vão, sensível desabrocha
E lhe diz – Meu amigo, aceitai a metade
De meu modesto abrigo; estou bem nesse asilo,
Nele estareis seguro; é difícil, já vi,
De achar o vosso rastro, com maldade.
Podeis aqui estar tranqüilo:
Atenção junto a mim sempre tereis, ali.
Ante essa oferta tão graciosa,
O ouriço segue a passo lento,
Quando uma pega obsequiosa,
Faz um sinal ao coelho: – Esperai um momento,
Eu peço... uma palavra... é um breve caso...
E depois ao ouriço: – É um pequeno segredo...
Perdoai-me, quando nada pelo atraso!
E o bom coelho, todo quedo,
– As orelhas a erguer pede a ela fale baixo.
Como! Levardes vós a casa uma tal gente!...
Sede prudente mais no trato com os de baixo!
Nunca eu faria tal tolice tão patente!
Eu... Mas não receais de vos arrepender?
Uma vez com saúde e forças redobradas,
Quem sabe sejais vós o primeiro a sofrer
Com o seu mau coração e as farpas aceradas;
E a que meios, então, tereis a recorrer?
O coelho respondeu: – Nenhuma inquietação
Não nos deve afastar de impulsos benfeitores;
Vale bem mais expor-se a uma ingratidão,
Do que faltar aos sofredores!

C. Dombre
R.E. , novembro de 1861, p. 514